quarta-feira, 5 de março de 2008

A Bela e Talentosa Estrela - Conversa de Camarim

Conversa de camarim
Marcelo Farias Costa
A Bela e Talentosa Estrela

Charlene não era atriz, era uma estrela. Você provavelmente nunca ouviu falar em Charlene Girão. Que pena. O teatro cearense nunca mais terá um figura como Charlene. Como Gilda, jamais haverá outra Charlene. Infelizmente não sei quando ela nasceu. Dizem que na segunda guerra era Coca Cola. Isto é moça de Fortaleza que namorava os soldados americano. Se você quiser visualizar como ela era, mais ou menos como era sua aparência, pense em Gina Lollobrigida, a atriz italiana. Andava sempre produzida. Com tamanco de salto alto, cabelo vermelho encaracolado. Chamava atenção por onde andava. Era quase um arraso. Falece no Rio de Janeiro, em 1998, senhora casada. Não sei quando para lá se mudou nem se teve filhos.
Eu gostaria de escrever algo a altura de Charlene. Talvez não consiga. Ela tinha um pé na história e outro no anedotário do teatro cearense. Ficou imortal como figura folclórica. Injustiça. Ela deve ser levada a sério. Tinha talento sim.
Charlene era sensual e explorava isso. Jogou tudo seu sex appeal no papel de Madalena no "Mártir do Calvário", do Conjunto Teatral Cearense, que criou para ela o slogan: a bela e talentosa estrela. A sede era no Pio X, atras da igreja do coração de Jesus, na Duque de Caxias. Os espetáculos do CTC, com Charlene dirigida por J. Cabral, arrecadavam fundos para a reconstrução da igreja. Foi lá que ela estreou em 1958 com "Alvorada" de Carlos Câmara.
Sua carreira foi relativamente curta. Participou de uma feira no parque, ci-dade da criança, onde dançava com um biquíni coberto de penas. Um gay invejo-so e falso amigo denunciou a Frei Conrado que ela dançava nua. Foi o fim. Foi vetada no palco do Pio X. Quando a companhia de revistas Walter Pinto, esteve em Fortaleza, ela fez teste e foi aprovada. Não consta que tenha seguido com a companhia. Mas na saída do teatro ela dizia para Izidoro dos Santos, segurando sua frasqueira: ele (Walter Pinto) disse que meu corpo era escultural. E era. Tipo violão, de formas voluptuosas e arredondadas. Não se conformava se não ser a Madalena do "Morro do Ouro", interpretado pela sílfide Tereza Paiva. E o que é surpreendente, mesmo seus mais ardentes detratores admitiram, que apesar do estilo de vida, Charlene casou virgem. Era também Mae West.
Minha estreia no teatro, com a peça "Jaçanã", em 1963 tinha Charlene Girão no elenco. Dizem que antes de começar o espetáculo ela distribuía bombom com os meninos para aplaudi-la quando entrasse em cena. Verdade ou mentira, era aplaudida, sim. Já não podia se apresentar no Pio X, e J Cabral só podia con-tar com ela nos espetáculos pelo interior ou fora daquela palco. Esse foi no Teatro Paroquial de Acarape, 15 de novembro, 1963. O folclore diz que no interior foi confundida com Miss Ceará, como noiva do Vavá (jogador da seleção de 58), equívocos que ela não desfazia.
Mas antes de ser minha colega de cena, entrevistei Charle para um jornal mural que tinha em casa. Era eu e Tinôco Filho, meu primo, o autor de "Quando as Borboletas retornam Ferida", premiado pelo SNT. Elaboramos as perguntas com antecedência. Algumas delas tiradas da revista Cinelândia, de entrevistas com outros atores. A primeira pergunta era: você se considera uma boa atriz? E lá fomos nos para o Pio X, caneta e caderno na mão. Na primeira pergunta terminou a entrevista. Charlene respondeu sem a menor sombra de modéstia:- Sou a melhor atriz do Ceará. Foi um choque e de tão estarrecidos não conseguimos continuar. Os colegas gostam de provocar Charlene e contar para ela comentários desairosos que por acaso se fizesse. Ela respondia com um bordão, que de tanto ouvir, decorei: - Estão despeitados, porque não tem o meu charme, a minha elegância, não chegam em aos meus pés.
Bordão que ela repetia sempre que recebia um comentário desfavorável. Do mesmo jeito ela confidenciava, de um por um do elenco, após o espetáculo, que "nós dois fomos os melhores, roubamos a cena". Ninguém acreditava. Ainda era teatro do ponto.
Charlene quando lhe conheci, eu era pequeno demais que entender sua grandeza. Que você brilhe no céu, junto de suas outras colegas, as estrelas.
veja outros textos de marcelo farias costa
http://www.teatroce.kit.net/conversa13.htm

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